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domingo, 1 de agosto de 2010

Da Iconoclastia

O Dr. Bento Aranha Castro levantara de sua cadeira e agora se dirigia a seu destino, o púlpito, onde falaria seu primeiro discurso como membro da Academia Brasílica de Ciências.
Colocara o calhamaço de folhas sobre ele, retira o pincenê e o repousa sobre a pilha de folhas. Um pigarro. Dois pigarro. Olha para a frente, avista aquele mar de acadêmicos, cientistas, todos encasacados, com imponentes cavanhaques. Inicia o discurso:
-Senhores, tenho a alegria de participar dessa academia que tem sido um dos maiores orgulhos para o desenvolvimento de nosso país. Quem me conhece sabe que não estou exagerando nos elogios, é verdade. Se não fosse por essa academia, criação de nosso prodigioso Imperador,não teríamos conhecido a Ciência no Brasil, a não ser pelos cientistas europeus que esporadicamente nos visitam. Sem ela nunca teríamos recriados portos modernos ou mesmo catalogado todas as espécimes animais e vegetais da região Amazônica. Sem ela não seríamos a potência que somos na América e no mundo.
Mas, senhores, eu me pergunto se conhecemos realmente a Ciência. Trabalhando nas escolas, ministrando aulas, eu vejo cada vez mais que não ensinamos Ciência, mas apenas repetindo-a, como se fossemos papagaios. Nossos melhores alunos são aqueles que nos dizem que o som não se propaga no vácuo e não aqueles que entendem porque o som não se propaga no vácuo.

Pausa, o discurso tem provocado já reações razoáveis nos rostos do demais membros da academia. Dr. Castro bebe o copo de água localizado perto de seu calhamaço. Novamente toma a palavra e continua o discurso.
-Senhores, o que quero dizer é que não fazemos mais Ciência, mas uma religião qualquer que se diz ser Ciência. Vejam bem, o conhecimento que conquistamos através dos anos hoje é adotado como dogma. Eu digo isso porque trabalho com a educação e na educação isso é muito claro. Os alunos tornam-se profissionais que não compreendem a Ciência, apenas a reproduz como um autômato. E para se tornar um "cientista" eles vêem que é preciso perder sua capacidade criativa. Ora, que Ciência é essa que nos castra a imaginação, combustível de nossos insights, e a compreensão, motivo primeiro de nos aventurarmos pelo mundo do conhecimento científico.
Se Kant disse que para ser um ser racional é necessário compreensão e sensibilidade, nós, senhores, não somos nenhum pouco racionais. Em matéria de racionalidade estamos na Idade da Pedra, por isso, conclamos a todos aqui a buscar dentro de nós nosso espírito iconoclasta, pois, só a partir da destruição desta catedral científica que criamos é que estaremos realmente á praticar a Ciência. Obrigado.
O Dr. Castro pega o calhamaço e o pincenê e retira-se do púlpito. A exigente platéia, após o susto inicial - na verdade, mais para uma cutucada na ferida que um susto - , leva alguns minutos para digerir a crítica e algumas tímidas palmas brotam da multidão de doutores. Dr. Castro não se intimida, já esperava essa reação. Ali estava ele, um iconoclasta sozinho tentando derrubar com um estilingue uma enorme catedral cheia de sacerdotes arrogantes e encasacados.

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