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sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Aposentadoria

Corria pelo mato, olhando a cada passo desordenado apra trás, tentando ver se o rastreador continuava atrás dele. Estava muito escuro, só que via eram sombras, não tinha certeza se aquela ali era uma árvore ou o caçador. Na dúvida, continuava correr, com mais força ainda.
Um piso em falso, caiu do barranco. Desesperado tentou encontrar algum canto onde pudesse se esconder pelo menos. Tateando o chão se cortara com um caco de vidro ou pedaço de madeira, não sabe. É o fim: ele vai sentir o cheiro.
Sem outra idéia, deita-se no chão e fica imóvel com a esperança de que o rastreador não o veja. Esconde a mão ferida debaixo do corpo. Olha pra cima, para o alto do barranco, consegue ver perfeitamente o seu topo. Um chapéu, vê um chapéu aparecer. Lentamente a figura se mostra. Com uma capa um pouco esburacada nas pontas, o rastreador pára e observar a noite. O homem pode ver sua silhueta perfeitamente; sua frio. Ele coloca a mão no rosto, aperta alguma coisa, deve ser seu potente nariz de mentira. Ninguém sabe como ele funciona, só sabe que quando ele coloca essa coisa para funcionar sente o cheiro de uma paca a dois morros de distância.Eles são conhecidos por duas coisas: seu olfato e sua impiedade.
O homem sua, tenta diminuir o som de sua respiração. O rastreador meneia a cabeça. Olha para o fundo do barranco: pronto, foi achado.
Não há mais o que fazer. O impulso é fugir e é o que o homem faz. Levanta e dispara.O estampido seco, o homem cai no chão. Urra de dor, tenta levantar, mas o tiro foi bem nas costas. Não consegue. Rasteja um pouco. Ouve o som das botas do rastreador: estão ficando próximas. Mas desiste, não conseguirá ir muito longe. Vira-se e apela ao caçador:
-Por favor, senhor! Não me leve de volta... por favor (gagueja) me mata aqui!
O rastreador pega as mãos trêmulas do homem e as amarra. O levanta e coloca sobre as costas. O homem continua implorando, entre um grito de dor e outro. Chegam até á carroça metálica do rastreador. Joga o homem na caçamba e liga o motor, que mais parece uma velha tossindo.
-Me mata, senhor, por favor! O barão vai me maltratar por uns meses, ninguém merece morte loga do jeito que ele faz com os fugidos, ninguém merece... O senhor num sabe o que é aquilo!
A voz metálica finalmente responde ás súplicas:
-Eu só pego as pessoas, não mato.
-Mas, senhor, me mata, pelo amor de Deus! Eu te do tudo o que eu tenho, juro! Debaixo da minha cama, pode procurar, tem uma caixa cheio de conchas que eu guardei nesses anos todos. É sua! Só me mata antes!
O rastreador continua indiferente.
-Ninguém merece aquilo... meus parentes tudo morreram assim, depois de semanas na sala do matadouro, e a gente ouvindo eles gritar por nós... se tivessem matado eles antes não teriam sofrido tanto... por favor, senhor, me mata!
O rastreador começa a se incomodar com a ladainha.
-Se o senhor pudesse fazer uma pessoa que goste sofrer menos não faria? Eu sei que o senhor não me conhece, mas o que eu peço é pouco. O senhor diz que acertou errado e eu morri e não leva bronca do barão, é isso!
Silêncio.
-Por favor, senhor, eu não aguento mais tanto sofrimento, não aguento mais viver naquelas minas, ver minha gente sendo judiada. Se o senhor visse todo dia o que eu vejo também ia querer fugir de lá, mesmo que fosse morto.
O rastreador finalmente fala:
-Então porque não se matou?
-Porque eu tinha esperança de sair vivo de lá, mas agora, senhor... se o que me resta é a morte eu quero a morte. Tudo pra não voltar pra lá.
O rastreador pára a carroça de metal. Sai da frente e vai até a caçamba. Olha por uns instantes o pobre diabo. Pega a arma. Antes de se ouvir o tiro, o condenado diz baixinho, como um alívio:
-Muito obrigado...
O rastreador volta para a frente da carroça e liga de novo a máquina. Ainda não entendeu porque fez isso. Talvez seja o cansaço, afinal são mais de vinte anos ou mais fazendo isso. Quantos já não pediram o mesmo. É o cansaço. Parece que isso nunca vai acabar. Bem, talvez um dia isso acabe...


Um homem corre pela casa, esbarra na mesa da cozinha, deixa cair o vaso de flores que a enfeitava. Atravessa o corredor quase tropeçando. Entra em um quarto. Revira o armário, tenta achar a arma que costuma guardar aqui. Não acha. Será que ele a pegou? Vê a janela, tenta abrí-la. O som da porta fechando. Olha para trás e lá está a figura obscura, de chapéu, arma em punho e a capa toda esburacada (um pedaço ficou preso na porta). Desiste de arrombar a janela. tenta ser calmo e encarar o perigo.
-Mas o que você quer? Te pagaram para me pegar, né? Diga, quem pagou? Quanto foi? Você sabe que eu posso dar muito mais pra você não me pegar!
A voz metálica responde:
-Seu barão, não vim aqui pra te pegar não... vim aqui pra te matar.
O rosto do homem empalidece, está petrificado.
-Mas quem...
-Não tem ninguém não, seu barão. Tô fazendo isso por minha conta... vim pedir minha aposentadoria.
O tiro atravessa a janela, um corpo cai ao chão e outro sai pela porta, sereno... finalmente.

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