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segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Dona Morte

O Dia da Morte, Wilhem Adolphe Bouguerau (1859)
A morte por definição é o fim da vida de um organismo. Todos os seres vivos morrem, mas só o homem é capaz de transformar esse acontecimento fisiológico em um ato simbólico.

A morte sempre atormentou o homem e não é nenhuma surpresa que as artes tenham se dedicado e muito ao tema. Desde as trovas medievais até os últimos filmes em cartaz, a morte está presente.

Ora, a Divina Comédia de Dante Alighieri, a lenda da fonte da juventude procurada por Ponce de León, O Último Selo de Ingmar Bergman, Sandman de Neil Gaiman e Incidente em Antares de Érico Veríssimo tem em comum quem mais senão a Dona Morte.

Mas o tema é muito vasto e quero me dedicar aqui a falar apenas de um nicho dela: os contos populares. Geralmente os contos populares sobre a Morte tendem a personificá-la como um figura esquelética, coberta por um manto e com uma foice (imagem baseada no personagem Anjo da Morte descrito na Bíblia e no Talmud) a quem todos tentam sempre enganar, mas nunca conseguem. O mais interessante nesses contos não são o final, pois sabemos que ninguém escapará desse implacável personagem (como, de fato, ninguém escapará mesmo), mas a maneira com que tentam iludi-lo.

Meu avô contava uma história na qual um homem pediu para a Morte ser madrinha do seu filho que ia nascer só para tentar ter mais intimidade com ela e convencê-la a não levá-lo. Bem, a Morte, sempre profissional, diz que o levará sim quando chegar a hora, mas dará um aviso. Tempos depois esse homem recebeu o aviso nos sonhos e, decidido a ludibriar a Morte, se barbeara todo, raspara o cabelo e se cobrira de trapos. Enfeitara seu empregado de modo a ficar parecido com ele e o mandara á cidade e se fingiu ser um mendigo. A Morte chega e é recebida pela mulher do cumpadre que diz que ele foi pra cidade e o visitante então, cansado, vê o mendigo e diz: Ah, então eu levo esse careca aí mesmo...

Há uma outra versão coletada pelo biólogo inglês Alfred Russel em suas andanças pelo Norte do Brasil na qual o cumpadre se disfarça de escravo, mas o final é o mesmo, é lógico.

Existe um outro no qual um homem faz um acordo com a Morte, pedindo para ela mandar um aviso para ele quando estiver chegando a sua hora. Esse homem então se entrega ás mais radicais aventuras e quando volta para a casa recebe a visita da dona Morte que veio para buscá-lo. Ele,revoltado, diz que ela não deu nenhum aviso. Ao que ela replica, todos os perigos que se safou desde o tubarão que viu até a avalanche que escapou, foram avisos suficiente, mas ele não considerou eles como tal. Então ele implora por mais um tempo e um aviso mais claro, ela, irritada, pede que ele escolha uma imagem então, ele fala de um baile onde estão tocando um sucesso antigo, cheio de pastorinhas. Ela aceita e sai, o homem, todo feliz, acha que está feito: agora é só não passar perto de casas de festa ou ficar na cidade em tempo de festa junina. Eis que quando vai sair na rua seu vizinho está fazendo uma festinha para a mãe, tocando músicas do seu tempo e com suas filhas como pastorinhas. A Morte chega e pega o homem pretensioso então. Há uma variante para essa história também, romanceada pelo escritor Malba Tahan sob o nome de Sob o Olhar de Deus, se não me engano.

Bem, exemplos existem e aos montes, mas também existem outras histórias onde, contrariando o senso comum, os protagonistas conseguem enganar finalmente a Morte. Existe um conto muito antigo, vi uma vez enquanto folheava um livro num sebo, onde um homem está determinado a matar a Morte e a chama para uma conversinha... munido de uma 45. Muito criativo realmente e válido, por que não?, afinal isso é literatura, ela pode e foi feita para desafiar a realidade.

Mas mesmo assim, confesso, que histórias como as duas descritas acima me cativam e muito, são uma grande prova da inventidade (dando uma de Odorico Paraguaçu) de nosso povo.

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