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segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Antióquia

Ouço o som dos automóveis lá fora, cruzando os ares. Alguns totalmente irritantes, com seus pigarros intensos. Mas não me afetam muito, continuo comendo meu melão. De onde vim não tinham melões como esse. Não tenho certeza se é transgênico ou orgânico, porque não sei se os que comia era orgânicos ou transgênicos. Mas o que importa? está delicioso e pronto.
Senta um casal japonês na mesa á minha frente. Eles falam muito alto, mas finjo que não estou nem aí. Aliás, é impressionante a quantidade de asiáticos aqui; andando pelas ruas, dez em cada oito pessoas são chineses, coreanos, japoneses ou de qualquer outro país onde as pessoas tem olhos puxados. Maurice, meu amigo, disse que tinha a ver com a queda dos Tigres Asiáticos, a maioria deles vieram para cá então, onde havia mais oportunidade. É... quando a situação aperta não há nacionalismo que aguente.
Quem sou eu para falar deles. Eu mesmo saí de meu confortável, mas paupérrimo país para viver em Antióquia. Não que eu gostasse muito de meu país, mas era meu país, eu nasci ali. Pensando bem, acho que isso nem importa mais. Afinal, é apenas uma pedaço da crosta terrestre com pessoas em cima. De qualquer maneira, mesmo não gostando tanto assim de minha terra natal, decididamente não gosto de Antióquia também. É uma cidade enorme onde tudo parece ruína, quando você passeia pelas ruas é inevitável sentir um cheiro de óleo queimado e peixe, as pessoas só estão interessadas no seu dinheiro, dê você á eles voluntária ou involuntariamente. Que beleza há aí? Antióquia, ao meu ver, é o fim do poço da Humanidade.
E, veja bem, até uns trinta anos atrás era um monte de casas de alvenaria se diluindo á cada chuva ácida de verão. Se não fosse por esse enorme lixão no seu subsolo isso aqui continuaria sendo um deserto de veraneio. Antióquia... o maior ferro-velho da Historia.
Acabou o melão, que pena! Bem, pelo menos os japoneses pararam de berrar um para o outro. Odeio quando a pessoa termina de comer o que tem que comer e fica na mesa do restaurante sem fazer nada, olhando para o ponto cego das coisas, mas é exatamente o que estou fazendo agora. Se estivesse com a boca aberta seria o mesmo que ver um jacaré na beira do rio depois do almoço. É melhor me levantar e fazer algo, chega de tanta letargia.
Atrás da minha mesa está uma enorme janela, onde vão os casais de namorados (endinheirados, é claro) trocar beijos e admirar essa bela paisagem que é Antióquia. Mesmo com sua cor onipresente de ferrugem, a cidade tem um certo charme quando vista assim. Talvez seja algum efeito da janela, sei lá. A cada dia os edifícios crescem mais um metro e não é possível mais ver suas bases. A nuvens atrapalham a visão. Na realidade não são nuvens de verdade, mas gases tóxicos expelidos pelas fábricas e pelo lixo encrustado na antiga superfície da cidade. Vez ou outra algum maluco louco por adrenalina tenta descer até lá e voltar sem ficar inconsciente e acaba intoxicado.
Estranho... eu não tinha visto aquele prédio amarelo ali. Não é uma fábrica, deve ser mais um restaurante ou então um bordel. O alarme de meu relógio dispara, está na hora, tenho que subir e fechar o negócio. É um poço de chorume, estamos tentando vender para dois sheiks. Um já concordou com a nossa divisão nos lucros o outro ainda está tentando pechinchar. Tomara que ele tenha desistido se não vou passar mais uma semana nesse hotel. Se isso acontecer, pelo menos tenho os melões para me consolar.

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