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segunda-feira, 21 de junho de 2010

Meu pai

Me chamo Maria Augusta Perrin. Moro em Buenos Aires desde os 4 anos. Meus pais vieram morar aqui porque os parentes da minha mães viviam aqui. Adoro minha mãe, ela sempre me criou com carinho, mesmo com dificuldade. Meu pai... meu pai é uma história curiosa.
Não me lembro do meu pai. Não me lembro do rosto dele. As fotos que minha mãe me mostra dele não me atiçam a memória, não adianta. Minha mãe morria com isso. Ela dizia que os homens pegaram meu pai porque ele fala a verdade e falava demais. Eu ficava com medo dos homens e de falar a verdade.
Minha mãe ia sempre na Junta Militar, perto da esquina de casa, saber do meu pai, mas eles diziam que ele não estava lá. Ela uma vez arrumou briga com um dos moços de lá, mas depois ela se acalmou. Minha mãe pedia para eu não me esquecer do meu pai, mas eu não conseguia lembrar dele.Ela apertava a minha mão bem forte e começava a chorar, pedindo para não esquecê-lo e eu não entendia.
Ela foi procurar mais informações sobre ele no cartório, porque ela queria provar que era casada e ganhar uma indenização do governo pelo menos para poder comprar comida e o material da escola. Mas nada, o governo dizia que ele não existia. Ela mostrava os documentos dele, mas nada. Ela ficava muito frustrada com isso, se trancava no quarto e só ouvia os soluços.
Eu comecei a pensar que meu pai não existia depois que uma amiga minha disse que a mãe dela havia dito que meu pai não existia e era invenção da minha mãe. Minha mãe andava meio estranha mesmo, talvez fosse loucura dela. Mas ela me mostrava as fotos. Quem era aquele homem então? Eu não entendia.
Nossos vizinhos não falavam mais conosco e meu avô e minha avò pararam de nos ver.Eu também achava isso muito estranho. Mamãe disse que era porque eles tinham medo de sumirem como aconteceu com papai. Não sei quem sumiria com as pessoas, mas de uma coisa tinha certeza: não era o bicho-papão. Mamãe ia sempre na Junta. Quem sabe as pessoas da Junta que sumiam com os outros. Eu começava a imaginar que dentro da Junta tinha um buraco negro, um portal onde eles jogavam as pessoas e elas sumiam.
Depois que conclui isso passei a me afastar de minha mãe,pois ela falava,brigava, criticava as pessoas da Junta muito.
Bem, os anos se passaram, eu cresci, fui para Faculdade, me afastei de minha mãe, me formei e casei. Um dia liguei a tv e estavam cobrindo o julgamento de Videla, Massera e demais militares que começaram com o novo regime em 1976. Um homem estava depondo. Era um homem muito calmo. Ele estava falando sobre como deixava ele e seu parceiro de cela sem comida na Junta. Seu parceiro era José Roberto Perrin. Era meu pai. Eu tive um choque. O resto do julgamento nem acompanhei, fiquei só pensando: então ele existiu! E falei: Meu pai. Nunca tinha falado essas duas palavras, muito menos o nome dele depois que fui para Faculdade. Imediatamente, lembrei da minha mãe. Ela estava certa, ele existiu. E até eu sumi com ele, sumi com ele da minha mente.Comecei a chorar.Era felicidade, culpa, sei lá, tudo isso.Meu pai voltou a existir depois de tantos anos. Meu pai.

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