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sexta-feira, 9 de julho de 2010

Entre dois mal ou a segunda viagem dos Acuntsu 2

Amanheceu. Os guerreiros que foram mandados para atrapalhar a vinda dos caraíbas acabam de voltar, meio sujos e afobados. Vão falar com Pindarô, dizer que são muitos caraíbas e eles já deram jeito nas toras que derramaram no rio. Pindarô não demonstra medo, por fora. Manda acordarem todos. As mulheres e as crianças vão pegar as armas que ficam no barracão e se esconderem no meio do mato. Todos os guerreiros ficarão aqui, esperando o inimigo. A tática vai ser simples: todos ficarão escondidos, atrás das ocas, dando a impressão de que a taba está vazia, pra fazer uma emboscada nos caraíbas. É um bom plano, mas todos sabem que os caraíbas tem muito mais homens e armas.
Apreensão no rosto de todos. Só de Apinaã que não. Apinaã está angustiado, a culpa cai nas costas de Apinaã. Pindarô percebe e por isso fica perto de Apinaã esperando a oportunidade de perguntar o porque disso. Quando todos estão em posição, Pindarô pergunta:
-O que te aflige, meu filho?
-Nada, Pindarô.
-Pindarô sempre teve visão muito boa e tua angústia é tão visível pra Pindarô como o céu azul.
Apinaã considera: de qualquer forma ele terá que contar ao velho. Que seja agora, já que o monstro pode reclamar seu pagamento muito cedo.
-Pindarô, eu fiquei preocupado com os caraíbas... então eu sai um dia e...
Os olhos de Apinaã se cerram:aparece uma nuvem de fumaça perto da curva do rio. São so caraíbas chegando. Momento de apreensão. Só se ouve o barulho dos motores.Pindarô reza dentro de si, pedindo força pra lutar.O nariz do barco encouraçado aparece na curva do rio. Os guerreiros todos respiram fundo, como se faz anbtes de mergulhar. A arfada dura o tempo do barco aparecer por inteiro. Logo atrás aparece outro e mais outro... São quatro barcos.
Todos cheios de gente, cheio de caraíba armado.
O primeiro barco atraca no barranco, desce um punhado de caraíbas. Eles vão adentrando a taba, receiosos, procurando guerreiros. Uns acham que todos fugiram, outros não.
Os guerreiros avançam. O primeiro sai de trás da oca de Pindarõ e acerta a garganta de um caraíba e desde já começa um tiroteio danado. Apinaã avança e pega dois caraíbas: um com a lança e outro com dois tiros de sua garrucha. Pindarô é bom de tiro, já acertou uns cinco. A chuva de tiros é braba. Muitos guerreiros já tombaram, a começar pelo que iniciou o ataque.
Aquela carabina grande presa na frente do barco demora a carregar, mas quando atira abre buraco no chão que nem caminho de sucuri grande. Eles tão terminando de carregar ela. Mas não dá tempo. O barco vira!Os caraíbas caem todos na água.
Barco virar no raso é muito difícil. Os homens dos outros barcos não entenderam nada.Do rio sai uma boca florida de dentes e engole um punhado de caraíbas como se fosse água.
O barco da frente começa a atirar. Não adianta. Vem o bichão e pega o barco com os dentes e vira. O barco logo atrás dele leva uma rabada, partindo-se ao meio.O último tenta fazer a curva, mas é lento demais, o monstro joga a cabeça pesada de tudo contra a proa do barco, afundando-o.
O tiroteio acabou depois do segundo barco ser destruído, depois disso muitos caraíbas fugiram pro mato. Alguns ficaram parados, vendo tudo, chocados. Chocados também estavam os guerreiros, menos Apinaã. Apinaã só pensa em como cumprirá com seu acordo agora.
Do fundo do rio emerge aquela cabeça cascuda e o bichão, com os olhos pra fora d'água, brame:
-Macaco pelado!... Macado pelado! Já fiz minha parte do trato, agora quero teus filhotes e tuas virgens!
A voz assustadora fez um bocado de guerreiros cair no chão. Pindarô, mesmo assustado e cansado, fica de pé, tentando entender a fala do monstro.
-Monstro, quem é tu? É Ururã?
-É, macaco velho... é Ururã... e quero meu pagamento!
-Que pagamento?
Vem um ronco tenebroso do monstro que é na verdade um pigarro. Então ele responde:
-Um dos teus macacos sem rabo me fez um trato esses dias... queria que eu matasse caraíbas... se eu matasse ia receber 10 de teus inocentes, filhotes e virgens... Eu matei caraíbas, agora quero minha parte!
Pindarô demora a descobrir quem fez o trato, mas quando vê Apinaã de cabeça baixa, entende tudo.
-O homem que fez o trato com você, demônio, não manda em nada aqui! Esse trato não tem valor!Não vamo te dar ninguém.
já sabendo a reação do monstro, Pindarô começa a se afastar. Ele sabe que o bichão é grande demais e não tem chance de pegar eles correndo na mata fechada. Outro ronco, dessa vez de raiva. O monstro se atira pra margem. Metade do corpo fora d'água. Tenta puxar o corpo truculento e reluzente pra terra, mas as patinhas gordas não conseguem. Abre a bocarra e arregaça os dentes, os olhos vermelhos se colorem de ódio. Os guerreiros tudo fogem. O bichão não consegue segui-los, afunda no barranco e depois de lutar por alguns minutos contra a gravidade, desiste e volta ao rio.
Os guerreiros correm na mata. Á certa altura se encontram com suas famílias e incitam elas a correrem também. Todos correndo na mata. Ninguém entendendo nada. Quando chegam numa trilha aberta pelos kadiwéus para visitar seus "irmãos", param, tomam fôlego. No entanto, nenhum guerreiro quer contar o que aconteceu. Um deles, depois de respirar um pouco, explica para o resto da taba sobre o monstro. Pindarô, agora enfurecido procura Apinaã, não acha, ele não está mais aqui.
-O que vamos fazer agora, Pindarô? Se a gente entrar no rio o monstro pega a gente, sea gente seguir essa trilha vamos chegar perto da taba dos caraíbas.
Pindarô pondera:
-O jeito, meu filho, é falar com Kiantô.
-Mas Kiantô só aparece com chuva, Pindarô!Vamos esperar chover?
-Isso mesmo...
A tribo toda dormiu na trilha. Ficava sempre dois vigias acordados. Apinaã estava ali, mas sempre afastado do grupo de forma a não ser visto. Apinaã voltara a desonrar seu povo. Não poderia estar mais envergonhado. Uma voz na sua cabeça dizia que tinha feito a coisa certa, que 10 poderiam morrer para salvar um povo inteiro. Apinaã tentava se justificar, mas não adiantava, ele sabia que não ia parar por aí. Mais caraíbas viriam e eles teriam que alimentar o bichão sempre para ele protegê-los. Do que ia adiantar perder metade da tribo nos dentes do jacaré? Tinha errado mesmo.Apinaã poderia voltar ao rio e pedir pra ser comido pelo bicho, findando o acordo, mas também não adiantaria. O monstro o devoraria e continuaria a perseguir a tribo. Apinaã colocou seu povo entre dois mal.
Chegou outro dia. Nada de novo, todos continuavam angustiados. Dois guerreiros foram caçar pra alimentar a tribo. Pegaram três catitus. No meio do almoço, pingos. Começa a chover aquela chuva fina. Do tipo que Kiantô adora.
Depois de um tempo dá pra ver as costas de Kiantô no céu. kiantô aparecia no céu quando dia de chuva desse jeito, com o corpo em forma de arco, mostrando suas costas com todas as cores da floresta. Nessa hora que o chefe falava com ela, pedindo ajuda, conselhos ou louvores. Pindarô pôs-se a falar com Kiantô:
-Kiantô, caraíbas querem nos escravizar, Ururã, demônio do rio, quer nos matar. Não sabemos o que fazer. Por favor, nos ajude!
A voz de Kiantô era como o som da chuva, mas calma e pausada.
-Vocês não tem com o que se preocupar. Kiantô trouxe vocês pra essa terra e Kiantô vai achar outra terra pra vocês. A terra que vocês precisam está no Rio da Água Dourada, bem no começo dele. Lá Ururã não entrará e nem caraíbas, porque eu impedirei.
A voz de Kiantô foi sumindo, como a chuva. Em pouco tempo suas costas coloridas sairam do céu. Todos estavam preocupados na verdade. O rio da Água Dourada era muito longe, eles teriam que passar pela taba dos caraíbas,que fica no entrocamento do rio da Água Dourada com o rio Acuntsu, e depois teriam que passar pelos seus inimigos,os Carirés, conhecidos como Guerreiros Loucos. Mas se Kiantô reservou uma terra para eles ali, então eles deveriam aproveitar a oportunidade. Pindarô iniciou marcha com a tribo. Não seria fácil, mas teriam que estar prontos desde já.
(CONTINUA...)

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